29 de out. de 2009

Candidato a Jack Nicholson em "Melhor é impossível"

Criança imita, claro. E segue fazendo isso até se tornar um decisor. Cresce à imagem real ou ideal projetada pelos pais. Se a gente prestar atenção na figura do filho de alguém que conhecemos com algum apuro, vai achar um adulto pequeno revelado à semelhança dos maiores defeitos ou das maiores virtudes do seu cuidador. Com certeza, a mãe, ou a avó. Ou ambas. É difícil fugir desse padrão. Eu tenho um percentual enorme do comportamento e do jeito de perceber o mundo da minha mãe; minha filha herdou de mim e da avó coisas como o gestual, o dom de improvisar, fazer rir e a inflexão de voz, além da cara e do focinho mediterrâneos. Há filhos que exalam a presença positiva dos pais numa aura magnética; outros que prenunciam crises de posicionamento do casal a partir de um olhar atento, por exemplo, nas “brincadeiras” e nos jogos com os adultos. O que me deixa preocupada é a atitude de algumas crianças deste milênio que, inocentemente, já traem um modelo de vida neurótica. Elas começam a denunciar comportamentos estranhos, copiados dos pais, ainda nas fraldas.

Tudo em ordem

É um tanto triste, por exemplo, ver um garoto de dois anos recolher pipocas do chão e colocá-las no lixo, arrumar, na sua festinha, os tênis sem par dos amiguinhos que entraram no pula-pula, não deixar ninguém sentar para amassar a cama, guardar óculos nas suas respectivas caixinhas e enfiá-los na bolsa das visitas da casa. Esse pimpolho diz que não gosta de bagunça e limpa as mesas com chaves e carteiras dos forasteiros amigos da família, colocando-as em qualquer gaveta ou armário que estiver ao seu alcance. Lúdico?
Tem gente que se diverte com a cena. Eu me arrepio, arriscando vislumbrar ali um futuro portador de distúrbio obsessivo compulsivo. Olhei o menino lindo, vivo, olhar inteligente e intrépido, e viajei numa encarnação de Jack Nicholson em “Melhor é Possível”. O rebento cerrou as pálpebras e sucumbiu ao NÃO da mãe enquanto enfiava a mãozinha no pote de biscoitos. No entanto, notei nele o ar de satisfação e de reconhecimento quando descalçou os sapatinhos e os alinhou ao pé do sofá para, depois, confortavelmente, poder assistir televisão. Nem é preciso dizer o quanto a mãe desse menino é do tipo é precavida e previsível e que o dna da avó, se fosse seqüenciado, mostraria uma fobia organizacional aguda e contagiosa. O que me dá um fôlego extra é pensar que essa criança, graças ao poder dos seres do mundo físico e da Internet, sofrerá menos com as culpas da mãe e mais com as influências do que é tangível aqui na Terra e na convergência digital. E terá força para se livrar da dependência neurótica da sua rede familiar, com mulheres à beira de e um ataque de nervos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário