O poder de dominar é tentador...
o médico Roger e as candidatas à mãe
Incrível o poder que algumas pessoas exercem sobre outras. Poder instituído, diga-se. Polícia, por exemplo. Quando eu era uma jovenzinha, o som distante de uma sirene me acuava. Cresci e continuei com medo de guardas e fardas e demorei muito para entender o motivo. Só bem mais tarde o meu racional respondeu a essa sensação que, infelizmente, não foi traduzida sob o signo do respeito pela autoridade. Outra entidade que eu temia: médicos. Por aqueles seres inatingíveis que se postavam a minha frente com a sentença do futuro da minha vida, eu sentia admiração. E me curvaria, como faço até hoje, diante das verdades que proferem. Por isso consigo entender como mulheres que fazem tudo para ter um bebê se calaram no episódio midiático que envolve o caso do especialista em reprodução humana Roger Abdelmassih. Uma vida sem filhos é vazia e sem sentido para a maioria que, desde os primórdios da humanidade, precisa ativar o gene da reprodução. E compartilhar os prazeres da existência. Eu sei muito bem o que significa a batalha para ser mãe. E pai. Convivi com casais que passaram por todos os tipos de angústia e sofrimento ao verem cair por terra, depois de inúmeras tentativas de fertilização induzida, o sonho de ter filhos para chamar de seus. O Dr. Roger figurou durante anos como a última fronteira para esses obstinados pela alegria de um chorinho de bebê. Não é difícil deduzir porque tantas mulheres optaram pelo silêncio à “coragem” de denunciá-lo. Sem querer dar uma de analista de comportamento, mas lançando mão de minha bagagem de crédula na ciência, compreendo a realidade cruel desse cenário. De um lado está o poder, representado por um homem creditado a dar a esperança de gerar vida. De outro, está a vítima, a quem não foi dado concebê-la. No meio, a adrenalina dele pela sedução e a ansiedade dela por qualquer sinal de resposta positiva. Ora, que mente sã, mas fragilizada pela frustração, não sucumbiria ao ambiente de drible em favor do objetivo final? Conversando com a minha ginecologista sobre essas questões, ela levantou uma nuvem sobre o estado de alma das mulheres acometidas pela síndrome da maternidade a qualquer preço. Segundo alguns estudos, elas passam a se culpar pelo fato de não obterem sucesso na função ancestral de dar à luz e aí, um sem-número de movimentos da mente passa a atuar ao lado das sinapses químicas e das pressões sociais. Há mulheres que chegam a pensar que motivaram a libido do médico!!! Imagine-se a vergonha e o constrangimento, o sentimento de impotência e de incapacidade de dizer NÃO. Por essas e outras, eu faço fila com a corrente das omissas. Sei o quanto custa e pesa o poder do homem e do médico, a cobrança da família, do marido, do mundo, e o quanto o sonho vale antes de ser lembrado como pesadelo. Dr Roger era um ícone, era o doutor Vida. Aparecia nas revistas abraçando criancinhas, ladeado de artistas sagrados do universo particular dos simples mortais como nós. Era amigos dos ricos, de Roberto Carlos e Pelé, tomava vinho e ria com a Hebe Camargo. E...era o maior da área porque dava resultados. Mais do que isso, um ente de outra dimensão, porque se achava acima do bem e do mal, transcendental, impune. A visão dele, um deus em derrocada sendo empurrado para dentro do camburão pelos policiais, fez aflorar em mim um sentimento de pena. Em que pesem os milhões gastos com advogados, a possibilidade de um habeas-corpus e até a liberdade dele pós-julgamento exemplar. Ele já foi para o lado sem luz. Abortou-se.